Política e economia de Pernambuco e do Nordeste

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Luiz Gonzaga, Rei do Baião: nasceu em 13 de dezembro de 1912, morreu em 2 de agosto de 1989

O dia em que Luiz Gonzaga perguntou se eu estava “desenganado da vida”

Vocês não vão acreditar, mas houve um tempo em que um artista famoso ia apresentar-se em uma cidade do interior e ficava hospedado na casa do padre. Sou testemunha ocular disso, e o artista famoso foi Luiz Gonzaga. 

Início dos anos 1980, em Pesqueira, Agreste de Pernambuco, onde nasci.

Entrei na casa paroquial, como costumava fazer com frequência, para falar com o padre José Maria, uma figura extraordinária que, a essa altura, como ele dizia, deve estar ocupado com alguma coisa “na casa do Pai”. 

E de repente sai da cozinha um homem que me pareceu um gigante, sem camisa, enxugando-se com uma toalha.  Olhei pra ele e não o reconheci. Estava sem gibão e sem o chapéu que formavam sua imagem típica.  “Oxente”, disse ele, enxugando a cabeça com a toalha e dirigindo-se a mim como se me conhecesse há pelo menos uns 10 anos, “tás desenganado da vida, é?”. 

Era Luiz Gonzaga. O vozeirão amistoso o entregou. 

Eu espantado por ver o Rei do Baião naquela cena atípica, e ele espantado porque eu, um jovem, já estava careca – havia passado no vestibular, e um costume da época era raspar a cabeça quando isso acontecia. 

Gonzaga viera apresentar-se na Festa de Santa Águeda, padroeira da cidade. Hospedara-se na casa do padre, que era organizador da festa. 

“É Luiz Gonzaga, menino”, disse o padre, rindo, com o olhar um pouco para baixo, como era do seu feitio. “Ôxe, eu sei”, balbuciei de volta. 

Essa lembrança me acompanhou quando, trabalhando como repórter da revista VEJA no Recife, cobri a notícia de sua morte, na manhã de 2 agosto de 1989, no Hospital Santa Joana. Ele foi velado na Assembleia Legislativa, o arcebispo D. Helder Camara celebrou missa de corpo presente e o caixão seguiu em desfile aberto pelas ruas do Recife, em um carro do Corpo de Bombeiros, rumo ao aeroporto, de onde seguiria para Juazeiro do Norte (CE). 

No município cearense, houve um novo desfile em carro do Corpo do Bombeiros. A chegada em Exu foi na noite de 3 agosto. O caixão ficou na Igreja matriz, para visitação. 

No dia seguinte, pela manhã, houve missa celebrada pelo padre Gotardo Lemos (que era não só amigo como também parceiro do artista em uma de suas canções, Obrigado, João Paulo).  

O enterro aconteceu na tarde daquele 4 de agosto. Gente de todos os lugares, artistas (Gonzaguinha, Dominguinhos…), um ambiente de quem se despede de um filho querido, que havia nascido na pobreza e conquistado admiração de um país inteiro. 

A multidão acompanhou o carro do Corpo de Bombeiros com o caixão até o cemitério – mas, se bem me lembro, não pôde entrar. Eram milhares de pessoas, e a entrada de todos poderia causar algum acidente. O sepultamento ocorreu sob as vistas de familiares, pessoas muito próximas de Gonzaga, artistas, jornalistas – e, entre estes, um menino de Pesqueira que, um dia, havia trocado duas palavras com o Rei. 

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Foto de Vandeck Santiago
Vandeck Santiago
Jornalista e escritor
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