Política e economia de Pernambuco e do Nordeste

Política e economia de Pernambuco e do Nordeste

Lugar de criminoso "é na cadeia" e governos devem "fortalecer ao máximo as forças de segurança", prega governador Elmano de Freitas (Foto: Thiago Gaspar/Ascom-CE)

“Não podemos ter conversa mole com quem está envolvido com o crime.” Duvido vocês adivinharem qual liderança de esquerda disse isso

Anotem aí: foi o governador petista do Ceará, Elmano de Freitas. Ele defende uma política sem tolerância com os criminosos, diz que “já passou o tempo” em que o principal motivo da violência eram os problemas sociais, defende que os governos devem “agir com mão muito dura” contra o crime organizado e coloca como primeiro dever dos governantes “fortalecer ao máximo as forças de segurança”. O lugar de criminoso “é na cadeia”, para “o cidadão de bem viver em paz”, afirma Elmano. Para completar, faz um apelo ao Judiciário: “Pelo amor de Deus, não solte essa bandidagem que a polícia prende todo santo dia no Ceará”. 

Elmano de Freitas tem razões de sobra para dar prioridade ao assunto: o Ceará tem sete facções atuando no estado – uma delas, o Comando Vermelho. Na madrugada desta sexta-feira (31/10), por exemplo, dias após a megaoperação policial no Rio de Janeiro, sete integrantes do Comando Vermelho foram mortos em confronto com a Polícia Militar, no município de Canindé, a cerca de 120 km de Fortaleza. 

No Ceará, as facções já atuam no interior, e vivem em confronto por território para a venda de drogas e de serviços de internet. Além disso, estão se infiltrando também na política (veja matéria sobre isso aqui no blog: Alô, Nordeste! Facções estão entrando na política, diz governador)

Segundo informações do governo, esta guerra entre as facções é responsável por 90% dos homicídios no Ceará – o que levou o estado a ter a maior taxa do país de homicídios dolosos por 100 mil habitantes em 2024, de acordo com o Mapa da Segurança Pública (Ministério da Justiça).  (Veja aqui no blog matéria sobre o Atlas da Violência, com a situação no Nordeste: Violência no Nordeste ficou medonha)

FALA, ELMANO

À frente do combate a esse problema, que ele chamou para si de uma forma que nenhum outro petista o fez até agora, Elmano de Freitas fala de segurança pública não como um conceito teórico, e sem um discurso prisioneiro de formulações do passado – ele fala de uma situação do presente, que ameaça a todos. 

“Já passou o tempo em que a gente enfrentava alguém que por acaso teve problemas sociais, que por acaso não teve acesso à educação, que por acaso estava desempregado e foi ali e roubou alguma coisa”, disse ele, durante inauguração de uma delegacia em Itaitinga, na Região Metropolitana de Fortaleza. “Não é mais este o crime que nós estamos a enfrentar no Ceará e no Brasil. O crime que nós estamos a enfrentar é de gente muito rica e poderosa, que está aliciando a nossa juventude, que não está nem ligando se a juventude está se matando, se pais e mães estão chorando, porque para eles o que interessa é ficar multimilionário vendendo a droga”, completou. 

A principal meta, disse o governador, deve ser capturar “a cabeça da serpente, este povo poderoso e rico, que é o que nós devemos mais procurar”. Abaixo da “cabeça da serpente”, a reprodução é rápida nas facções, explicou ele: “Aí você prende este jovem, e o crime organizado vai lá e procura outro jovem. E você às vezes prende o chefe da facção, e dentro da facção vira uma guerra para saber quem é o novo chefe da facção”. 

A inauguração ocorreu em 23 de junho passado. As frases acima e as outras no início desta matéria foram ditas todas em seu discurso na cerimônia – um longo pronunciamento, de cerca de 20 minutos, que, curiosamente, não teve maiores repercussões (desculpem-me por falar de si mesmo, mas talvez este blog tenha sido o único a divulgar jornalisticamente o discurso, em matéria publicada naquele mesmo dia. Veja abaixo vídeo com a fala do governador, na íntegra). 

Além do tom contundente, sem nenhuma passada de pano, chama atenção o fato de ele colocar a segurança pública como o principal problema a ser enfrentado pelos gestores públicos, passando à frente de outras bandeiras caras ao pensamento da esquerda, como saúde e educação. Elmano explicou porque pensa assim: “Por um motivo simples: [Na Educação] você tem uma demanda de crianças sem escolas. O governo e a prefeitura vêm e constroem aquele centro de educação infantil. Coloca os profissionais. No dia seguinte, as famílias podem levar as suas crianças para estudar naquela escola. Você tem um desafio de saúde. Você cria o posto de saúde, cria o hospital, coloca o médico, começa a fazer cirurgias e você começa a atenuar o problema”. 

E na segurança pública? Aí é completamente diferente, argumentou ele:  “Você contrata o policial civil, você contrata mais policial militar, você treina, mas você tem organizações poderosas, que movimentam bilhões, aliciando jovens, dizendo que eles devem ir lá no outro bairro e matar outro jovem porque ele é de outra facção, e que ele tem de fazer isso e aquilo outro. Aí você prende este jovem, e o crime organizado vai lá e procura outro jovem. E você às vezes prende o chefe da facção, e dentro da facção vira uma guerra para saber quem é o novo chefe da facção. Porque se movimentam milhões e milhões naquilo que a sociedade consome de droga, compra a droga e é vítima daquelas organizações que ficam poderosas vendendo essa mesma droga”. 

Em seu discurso, Elmano pontuou que este combate sem trèguas ao crime organizado não significa abrir mão das bandeiras tradicionais que marcam a trajetória do governante. “Sou um governador que sempre defendi, e continuo a defender, que nós precisamos reduzir as desigualdades, que nós temos que dar oportunidade para o nosso povo, que nós temos que dar escola para o nosso povo, que nós temos que dar saúde para o nosso povo, que nós temos de ir atrás de conseguir empregos para o nosso povo”, destacou ele. “Mas se estamos trabalhando para isso, o crime organizado não pode colocar tudo isso para trás”, concluiu. 

Como exemplo disso, o governador anunciou em Itaitinga que, além da inauguração da delegacia, o governo iria comprar um terreno para a construção de uma escola em tempo integral na cidade. E até o final de 2026, prometeu ele, cada um dos 184 municípios do estado terá pelo menos duas faculdades e dois cursos de especialização. 

Compartilhar: 

Foto de Vandeck Santiago
Vandeck Santiago
Jornalista e escritor