Isso aconteceu na música Chiclete com Banana, que Jackson do Pandeiro gravou em 1959. A canção tornou-se uma referência obrigatória na afirmação da cultura musical brasileira, tratando de forma humorada o enfrentamento com ritmos de fora, diz Nelson Motta, no livro 101 canções que tocaram o Brasil. Gilberto Gil a regravou em 1972; Lenine utilizou trechos para homenagear Jackson do Pandeiro na música “Jack Soul Brasileiro” e a banda Chiclete com Banana, da Bahia, adotou a expressão como nome.

Em Chiclete com Banana, Jackson do Pandeiro canta: “Eu só boto bebop no meu samba quando Tio Sam tocar um tamborim / Quando ele pegar no pandeiro e na zabumba / Quando ele aprender que o samba não é rumba/ Aí eu vou misturar Miami com Copacabana / Chiclete eu misturo com banana”. 

Já a música que está como trilha sonora desta postagem é outra (eita, desculpa, aqui não tem como colocar música de fundo; para ouvir um trecho, vá na conta @blogdovandeck no Instagram), é uma bem menos conhecida que Chiclete com Banana– chama-se Amigo do Norte, do disco “Um nordestino alegre”, de 1977. Eis a letra completa (composição dele e de Valdemar Lima):

Eu tenho um amigo americano do norte
Eu sou americano do sul

Ele gosta de lagosta
Eu gosto de sururu
Ele adora Nova York
E eu adoro Aracaju

E a nossa amizade
É independente
Ele com o seu povo
E eu aqui com a minha gente
O meu amigo é rico
De capital e saber
Eu também sou rico
Comecei a desenvolver

ERA  ZÉ, VIROU JACKSON

Curiosa a atenção dele para a cultura americana. Seu primeiro nome artístico foi “Jack do Pandeiro” – uma referência ao ator Jack Perry, que atuou em filmes de faroeste que ele via quando criança. No Recife, onde veio morar e trabalhar, um locutor da Rádio Jornal do Commercio achou que “Jack” não combinava bem com “pandeiro” – e sugeriu mudar para “Jackson”.  A mudança pegou. 

Seu nome verdadeiro era José Gomes da Silva Filho (mais um “Zé da Paraíba”, tema de uma de suas canções mais famosas: “Vige, como tem Zé / Zé de baixo, Zé de riba / Desconjuro com tanto Zé / Como tem Zé lá na Paraíba”).  Há uma biografia dele no mercado que conta em detalhes toda sua história, Jackson do Pandeiro, o Rei do Ritmo, escrita (após oito anos de pesquisa) por Fernando Moura e Antônio Vicente, e publicada pela Editora 34.

ALCEU VALENÇA E A QUEIXADA PARA CANTAR FREVO

A influência de Jackson do Pandeiro estende-se da Tropicália até os tempos atuais – pegando Alceu Valença, Lenine, Nação Zumbi, entre outros. Quando a gente menos espera, ele chega, de pandeiro em punho e gingando. Até em programas de esportes, que costumam usar como trilha a famosa Um a Um (“Este jogo não pode ser um a um / Se meu time perder é zum-zum-zum”). 

Pouca gente sabe, mas Alceu canta frevo hoje graças a ele. “Jackson foi quem me incentivou a cantar frevo, um gênero que eu até então evitava, por conta de toda a sua complexidade rítmica”, contou Alceu, em entrevista à Rolling Stones (1979). “Ele me dizia: ‘Pra cantar frevo, tem que ter queixada’. Ou seja, a capacidade de articular as palavras dentro da métrica. A partir de seu incentivo, passei a cantar e compor frevos, alguns deles em parceria com Carlos Fernando, como ‘Sou Eu Teu Amor’, lançado por Jackson em dueto com Gilberto Gil na série de discos Asas da América”. 

Uma associação comum que se faz a Jackson do Pandeiro é que foi na música o que Garrincha foi no futebol – na grandeza e no swing. Um gênio capaz de dividir os vocais de um jeito que ninguém conseguia – quando todos pensavam que ele ia para um lado, lá ia ele para outro, suingando, como Garrincha diante dos zagueiros europeus. 

Nasceu no Brejo paraibano, no município de Alagoa Grande, em 31 de agosto de 1919. Morreu em Brasília, em 10 de julho de 1982. Queira Deus que lá onde quer que ele esteja haja muito Zé e pelo menos um pandeiro.