Olha que exemplo maravilhoso – e não é de futebol que vou falar.
Uma repórter japonesa, Kiyomi Nakamura, começa a fazer uma pergunta em português a Carlo Ancelotti. Hesita, gagueja – a ponto de o técnico italiano da Seleção Brasileira dizer que, se ela preferir, pode falar em inglês.
Aqui, 99% das pessoas, sabendo inglês (o que é o caso da repórter, I suppose), imediatamente acatariam a sugestão do técnico, evitando o constrangimento de “passar vergonha”.
A repórter japonesa, não. Mesmo com grande dificuldade, titubeando nas palavras, ela não desiste – diz que prefere continuar falando em português.
O nome disso é persistência. A capacidade de continuar insistindo, sem resignar-se com a saída mais fácil.
É conhecida essa característica dos japoneses e dos asiáticos de forma geral. Um estudo do professor Harold Stevenson (Michigan/ EUA), um dos mais eminentes pesquisadores de educação do mundo, investigou por que crianças asiáticas, de determinados países, se saíam melhor do que as americanas em testes matemáticos. Haveria uma vocação asiática inata para a matemática?
Em um dos testes, sobre um problema impossível de resolver, a maioria das crianças americanas desistia da resolução após algumas tentativas. Já as de Taiwan gastavam o triplo do tempo tentando, e as japonesas, o dobro. Não era conhecimento inato, era a atitude.
Em outra ocasião, em um livro que escreveram juntos*, Stevenson e Stigler descrevem uma cena em uma sala de aula do Japão. Os alunos aprendiam a desenhar cubos em três dimensões. Um deles, que estava entre os que apresentavam mais dificuldades no assunto, foi chamado ao quadro. Demorou 45 minutos tentando cumprir a tarefa, toda a sala observando atentamente. Os professores americanos surpreenderam-se por ele não demonstrar nenhum constrangimento. “Nossa cultura cobra um preço psicológico alto por cometer um erro, enquanto no Japão erros, enganos e atrapalhações são apenas uma parte natural do processo de aprendizagem”, observou James Stigler (UCLA/EUA), parceiro dele na pesquisa.
Não sei se algum dia a repórter Nakamura vai falar fluentemente o português. Mas tenho certeza que ela continuará tentando.
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*REFERÊNCIAS
O livro é The Learning GAP: Why Our Schools Are Failing and What We Can Learn From Japanese and Chinese Education, de Harold Stevenson e James Stigler, lançado em 1992. Não tem edição em português. Pode ser encontrado em livrarias online e na própria internet, em PDF.
O estudo deles provocou reformas no ensino do EUA, como podemos ver neste texto do Los Angeles Times, de 22 de julho de 2005, por ocasião de sua morte aos 80 anos: Harold W. Stevenson, 80; His Analysis of Schools in Asia Paved Way for U.S. Reforms – Los Angeles Times. Aqui há um breve resumo de sua carreira: Harold Stevenson, in memoriam. Trabalhos mais aprofundados sobre os seus estudos e sua colaboração para a educação podem igualmente ser encontrados na internet.
O diálogo de Ancelotti com a repórter Kiyomi Nakamura ocorreu durante entrevista coletiva do técnico em 8 de setembro, na Granja Comary, centro de treinamento da Seleção Brasileira, em Teresópolis (RJ).



