Política e economia de Pernambuco e do Nordeste

Política e economia de Pernambuco e do Nordeste

O governante forte celebra o que fez; o fraco lamenta o que não o deixaram fazer

Os males do “governante reclamão” e a conversa no Recife que mudou uma campanha presidencial

Sabe qual é o pecado mortal do governante, em termos de imagem? É reclamar o tempo todo.

É ser o governante reclamão, aquele que em toda aparição pública se queixa disso e daquilo, diz que A e B não o deixam trabalhar, que não vai se deixar abater por isso etc. etc. Faz parte do script do reclamão dizer que não vai se deixar abater, mas ele próprio está se abatendo, porque essa postura transmite ressentimento, fraqueza e foco no problema, não na solução. 

Eu vou contar pra vocês um caso real, extraordinário, histórico, que aconteceu no Recife e teve papel decisivo em uma campanha presidencial. 

Em 2002 Lula disputava pela quarta vez a presidência da República, após ter perdido as três anteriores. Ele veio fazer um comício aqui no Recife. Antes de ser a vez de ele discursar, ficou conversando com algumas pessoas, bem alegre, rindo, bem informal. 

Aí uma das pessoas que estava na conversa disse: “Ô Lulinha” – Ricardo Kotscho, que era o assessor de imprensa de Lula, e que estava ao lado, contou que até então nunca tinha escutado ninguém chamar Lula de “Lulinha”, tratamento no diminutivo típico de Pernambuco e do Nordeste. Além disso, o camarada falou dando aquele tapinha nas costas da pessoa, também característico do nordestino. E o cidadão disse: “Ô Lulinha, por que quando tu faz discurso tu não fala que nem tá falando com a gente aqui, de igual pra igual? Por que, lá em cima do palanque, você tem que ficar gritando, reclamando, xingando os outros, sempre bravo? Por que não fica na base do paz e amor?”

Na volta, no avião, Kotscho contou esta história para Duda Mendonça, que era o marqueteiro da campanha. E Duda Mendonça, que era extraordinário, cunhou o slogan na hora: “Lulinha paz e amor”.  A expressão combinava perfeitamente com um ensinamento da política que Duda Mendonça gostava de repetir: “Quem bate, perde”. (1)

Com a expressão “Lulinha Paz e Amor”, o petista fez uma campanha propositiva e sem ataques aos adversários. E ganhou a eleição de 2002. 

Vejam só, talvez a sabedoria desse pernambucano anônimo tenha mudado, ou contribuído muito para mudar, a carreira de Lula. 

Saiu de cena o reclamão e entrou o de alto astral.

A figura do “reclamão” é pouco popular até no convívio social, imagina quando se trata de um governante… 

E Lula governou com essa postura. Ao final do segundo mandato dele, em 2010, sabe qual era a sua aprovação e a popularidade? 87%, apontou pesquisa do Ibope divulgada em 16 de dezembro. 

Percebam que no momento em que o eleitor falou com Lula, no Recife, ele era oposição, não era governante. Tinha perdido as três últimas eleições presidenciais. Na oposição, você não tem a “caneta para fazer”, quem tem é o governante. Na oposição, você critica, aponta erros, sugere, é duro com o que considera falhas de quem está no poder, e quanto mais ancorada em dados for sua oposição, mais consistente será. Mas até aí tem limites. Uma quarta campanha como “reclamão”, por exemplo, era demais até para o então oposicionista Lula…

E Lula governou com essa postura. Ao final do segundo mandato dele, em 2010, sabe qual era a sua aprovação e a popularidade? 87%, apontou pesquisa do Ibope divulgada em 16 de dezembro. 

A postura reclamona serve para instigar a militância, mas não é o meio adequado para sensibilizar quem está nas outras bolhas. O governante forte celebra o que fez; o governante fraco, lamenta o que não o deixaram fazer. 

Claro que esta receita não se aplica a todos os casos. Às vezes o ambiente exige exatamente a postura do sorriso crispado, das queixas. Mas, como regra geral, não há dúvidas que o “governante reclamão” trabalha contra si próprio na batalha da imagem. 

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REFERÊNCIA

(1) A história é contada por uma testemunha ocular dessa conversa, Ricardo Kotscho, no livro “Ricardo Kotscho – Um contador de histórias”, de Lira Neto, lançado pela Editora Contracorrente em 2024, como parte da série “Memória do Jornalismo Brasileiro Contemporâneo” do IREE (Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa). O livro pode ser baixado em PDF, gratuitamente, aqui: Memória do jornalismo brasileiro contemporâneo – Centro de Memória Brasileira do IREE

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Vandeck Santiago é jornalista e escritor. Trabalhou na VEJA, Folha de S. Paulo e Diario de Pernambuco. Venceu 15 prêmios jornalísticos, entre os quais o Prêmio Esso, o Prêmio Embratel e o Prêmio BNB. É autor de “Pernambuco em chamas – A intervenção dos EUA e o golpe de 1964” (CEPE, 2016) e de “Josué de Castro – o gênio silenciado” (Instituto Maximiano Campos, 2008).