Diretor nascido no interior baiano fez documentários e filmes que registraram a transição de um Nordeste tradicional sob o impacto da modernização que se avizinhava trazendo novos hábitos e novos valores. Jornal do Sertão, de 1970, é um dos exemplos dessa temática, ao enfocar o mundo da literatura de cordel, da cantoria e das emboladas de coco.
(Vídeo reproduzido da conta @matuto_atrevido, no Instagram. O curta original, na íntegra, está disponível em https://www.thomazfarkas.com/filmes/jornal-do-sertao/)
Com apenas 13 minutos, Jornal do Sertão tem pelo menos quatro preciosidades:
- A performance extraordinária dos emboladores de coco Azulão e Golado, na Feira de Caruaru (PE), ambos com uma dicção frenética (típica da embolada), que se assemelha ao áudio digital acelerado dos dias de hoje;
- O primeiro registro gravado de Maroca (Maria das Neves Barbosa), Indaiá (Francisca da Conceição Barbosa) e Poroca (Regina Barbosa), as três irmãs cegas de nascença que se apresentavam tocando ganzá e cantando nas ruas de Campina Grande (PB), para ganhar dinheiro e sustentar a família. Quase 40 anos depois, as três ficaram conhecidas em todo o Brasil, a partir do filme “A pessoa é para o que nasce” (2004), de Roberto Berliner. Tão conhecidas que, neste mesmo 2004, receberam em Brasília a Ordem do Mérito Cultural, concedida pelo então presidente Lula. Uma das irmãs, Maroca, faleceu em 2017;
- Um desafio entre Pedro Bandeira e o irmão, Chico Bandeira, na varanda de uma fazenda (anos depois Pedro receberia o título de “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, e seria um dos componentes do trio que impulsionou a agora famosa Missa do Vaqueiro em Serrita (PE), juntamente com o padre João Câncio e Luiz Gonzaga);
- Um vendedor de cordel no meio de uma feira, lendo em voz alta os versos dos folhetos para atrair compradores, prática comum antigamente, mas suponho que extinta (ou raríssima) nos dias de hoje.


Jornal do Sertão tem fotografia de Affonso Beato e Leonardo Bartucci, narração de Tite de Lemos e montagem de Eduardo Escorel. O título refere-se à concepção dos idealizadores de ver a literatura popular em versos como “o jornal mais lido do Sertão”. Foi uma das produções da chamada “Caravana Farkas”, comandada pelo fotógrafo, diretor e produtor Thomaz Farkas. Na segunda metade dos anos 1960, seus integrantes fizeram duas viagens pelo interior do Nordeste, registrando tradições típicas da região, que estariam sob risco de desaparecer.
Geraldo Sarno fez outros curtas, entre 1968 e 1974, como Vitalino Lampião, Os Imaginários, Sabedoria Popular, Casa de Farinha, O Engenho, Viva Cariri, A Cantoria, Padre Cícero e Casa Grande e Senzala. Mais tarde ele dirigiu, entre outros, os longas Coronel Delmiro Gouveia (1978); Sertânia (2020), ficção sobre a temática do cangaço, e Tudo isto me parece um sonho (2008), sobre o general pernambucano Abreu e Lima (1794-1869), o “General das Massas”, que, sob o comando de Simón Bolívar, participou das lutas pela independência da Venezuela, Bolívia, Colômbia e Equador, contra o domínio espanhol.
Natural de Poções, a cerca de 450 km de Salvador (BA), Geraldo Sarno morreu em 2022, aos 83 anos, em decorrência de complicações causadas pela Covid-19.