Foi Miguel Arraes quem fez Lula ver a importância da Ferrovia Transnordestina para o Nordeste, e que construir esta obra era fundamental para o futuro da Região. O próprio Lula diz que não fazia ideia do que era a Transnordestina, mas nunca esqueceu a recomendação de Arraes. A conversa entre os dois aconteceu no dia dessa foto aí de cima, 7 de dezembro de 1989, no Crato, após Lula realizar um comício no município. Nas eleições presidenciais de 1989, o primeiro turno ocorreu em 15 de novembro, e o segundo, em 17 de dezembro.
Neste 13 de agosto de 2025, data que marca os 20 anos da morte de Arraes, e num momento em que tanto se tem falado da Transnordestina (inclusive do trecho de Pernambuco, Salgueiro-Suape, que existia no projeto original, foi excluído na gestão de Bolsonaro, em 2021, e reinserido como projeto do Novo PAC, em 2023), é conveniente lembrar este episódio da história.
COMÍCIOS
Depois do ato no Crato, Lula e Arraes (que era governador de Pernambuco) viajaram para o Recife, onde haveria outro comício, à noite, na Av. Dantas Barreto.
Eis o relato de Lula, sobre a conversa com Arraes que lhe fez tornar-se um entusiasta da Transnordestina: “Na volta eu tinha um avião alugado e o Arraes pediu carona, eu fui deixar o Arraes em Recife. E o Arraes falou para mim: ‘Ô Lula, se você ganhar as eleições, vamos fazer a Transnordestina. A Transnordestina é uma obra muito importante para o futuro do Nordeste brasileiro’. Eu fiquei com aquilo na cabeça. (…) Quando eu ganhei a presidência, eu poderia querer esquecer de qualquer coisa, eu poderia querer assumir novos compromissos, mas eu não posso esquecer de onde eu vim, não posso esquecer quem eu fui e não posso esquecer para onde eu vou voltar. E tomei a decisão de fazer a Transnordestina”.
Lula fez esta declaração em 2 de agosto de 2024, ao discursar durante solenidade de sanção de projetos em São Gonçalo do Amarante (CE).
Foi a primeira vez que ele contou a história do pedido de Arraes pela Transnordestina? Não. Foi a única? Também não.
Vamos ver uma mais recente, em discurso de 18 de julho passado, quando – ao lado do governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT) – o presidente visitou obras da Transnordestina, em Missão Velha (CE): “(…) No aviãozinho em que eu fui levado de volta, o companheiro Arraes falou: ‘Lula, eu sei que eu não vou ver, mas se você puder, faça a Transnordestina, porque o Nordeste precisa dela’. Então, a Transnordestina não é só uma necessidade do Nordeste, é o pedido de um companheiro da mais alta qualidade que o Nordeste produziu, chamado Miguel Arraes, a quem eu tenho muito orgulho de dizer que eu fui muito amigo. Então, essa ferrovia é uma homenagem a ele”.
Para que vocês tenham uma ideia do quanto esta história da recomendação de Arraes marcou Lula, basta dizer que ele a vem repetindo seguidamente, em discursos oficiais, desde o lançamento da obra, em 6 de junho de 2006.
Listo abaixo mais cinco ocasiões em que isso ocorreu (a íntegra dos discursos está disponível na Biblioteca da Presidência):
28 de novembro de 2024, no Palácio do Planalto, na cerimônia de assinatura de aditivo para a obra: “(…) E essa Transnordestina, que foi um pedido do companheiro Miguel Arraes. Ele dizia para mim: ‘Lula, essa Transnordestina vai mudar a vida de outros estados do Nordeste’.”
8 de novembro de 2023, no Palácio do Planalto, durante cerimônia de assinatura da ordem de serviço de duplicação da BR-423/PE (aqui ele cita especificamente a realização do trecho de Pernambuco na ferrovia, o Ramal Suape): “Nós não estamos exigindo nada que a gente não tenha direito. A gente quer apenas ser igual. A gente não quer nem ser melhor, mas a gente também não quer ser pior. E, portanto, a gente tomou a decisão de fazer, nós vamos retomar a Transnordestina. É uma estrada que, além da importância do ponto de vista econômico, tem para mim um valor muito simbólico. Que foi na campanha [de 1989], saindo de Crato no Ceará e indo para Recife, um pedido do Dr. Arraes, pedindo para mim: “Não esqueça de fazer a Transnordestina”. E aí nós começamos a trabalhar o projeto, teve muitos problemas, mas muito mais problemas dos próprios donos da ferrovia. Nós vamos agora recuperar, vamos fazer até Pecém, fazer até Suape”.
Em 17 de agosto de 2010, em Salgueiro (PE), quando ele diz que desconhecia o que era a Transnordestina (discurso na assinatura de ordem de serviços para início da construção do lote 1 da Transnordestina (trecho Missão Velha – Pecém): “Eu estava no Crato, na campanha de 1989, quando eu fui para o segundo turno com o Collor, e na volta, no aviãozinho, o doutor Miguel Arraes falava assim para mim: “Ô, Lula, se você ganhar, faz a Transnordestina”. Eu nem sabia de Transnordestina. Perdi 89, perdi 94, perdi 98, até que, um dia, ganhei.”
Em 12 de fevereiro de 2009, também em Salgueiro, na assinatura da ordem de serviços do trecho Salgueiro-Trindade: “Primeiro, dizer para vocês que eu estou vivendo a realização de um sonho. Em 1989, eu fui fazer um comício na cidade do Crato, no segundo turno das eleições com o Collor, e o doutor Arraes – a mãe dele morava lá – foi participar do comício e me apoiar. Na volta, no avião, sentado ao meu lado, o doutor Arraes falou para mim: ‘Lula, se você ganhar as eleições, eu queria que você tratasse com carinho a Transnordestina, porque ela começou há muito tempo. Somente em 1962 ela chegou a Salgueiro e, de 1962 para cá, o que fizeram foi desmontar aquilo que tinha sido feito antes. Então, se você puder, faça a Transnordestina.’ Eu esperei 12 anos para ganhar as eleições. Doze. Mas estava na minha cabeça a certeza e a minha convicção de que era preciso que o Brasil elegesse um presidente da República que conseguisse olhar o mapa do Brasil e perceber que o Brasil não é apenas a região mais rica, do Sul e do Sudeste”.
Em 6 de junho de 2006, ao discursar no lançamento da Transnordestina: “Agora, estamos fazendo essa ferrovia que é quase como se fosse a espinha dorsal de um ser humano, ligando todas as partes do corpo, para que o Nordeste brasileiro deixe de ser a eterna região pobre do país e passe a ser uma região rica e desenvolvida, capaz de gerar os empregos e as oportunidades que a sociedade brasileira precisa.” (…) “Foi aqui nesta região, que em 1989, o nosso saudoso governador Miguel Arraes, me disse: “Lula, se um dia você for eleito Presidente da República, pelo amor de Deus, faça logo essa Transnordestina, que é a redenção do Nordeste brasileiro”. O doutor Arraes não está vivo, não está entre nós, mas certamente ele tem muita responsabilidade por esta ferrovia.”
ARRAES E A FERROVIA
Arraes era um defensor entusiasmado do transporte ferroviário de cargas como meio para ligar o interior aos portos do Nordeste, proporcionando o escoamento da produção local e trazendo desenvolvimento.
Em 1989, depois de ter sido prefeito do Recife e estando à frente pela segunda vez do governo de Pernambuco, ele sabia da importância para o Nordeste de uma malha ferroviária nova e ampliada, como a de uma ferrovia que cortasse os estados nordestinos.
Ao encontrar-se com Lula, naquele ano, em um avião fretado do candidato que poderia dali a alguns dias tornar-se presidente, Arraes aproveitou para fazer a reivindicação da Ferrovia Transnordestina. Na viagem, eles devem ter falado de muitas outras coisas – mas o que ficou na cabeça de Lula foi a Transnordestina, algo que ele nunca ouvira falar antes.
Arraes morreu em 2005. A obra foi lançada por Lula em 2006, em seu primeiro governo.