O noticiário não destacou isso, mas há um detalhe revelador na decisão do ministro Alexandre de Moraes de proibir acampamento na Praça dos Três Poderes. Esse detalhe é o fato que melhor nos mostra porque o ministro age da forma que age.
Na decisão, o ministro citou pela terceira vez um episódio que já havia mencionado em janeiro de 2023, quando determinou o afastamento do governador de Brasília, Ibaneis Rocha (MDB), e em janeiro de 2024, quando autorizou operação de busca e apreensão contra o deputado Carlos Jordy (PL).
Que episódio é este que já apareceu três vezes em decisões-chave de um ministro do STF?
É um episódio histórico que ficou conhecido como “política de apaziguamento”. Foi quando o então primeiro-ministro britânico, Neville Chamberlain, em setembro de 1938, fez um acordo com Hitler achando que assim iria garantir a paz.
Chamberlain esteve três vezes na Alemanha para encontrar-se com Hitler. A terceira foi na Conferência em Munique – que contou com a presença também de Edouard Balladier, da França, e Benito Mussolini, da Itália -, quando ele aceitou que Hitler anexasse parte do território da Tchecoslováquia, mas não invadisse a Polônia. (Convém destacar que nenhum representante da Tchecoslováquia foi convidado)
Chamberlain voltou para a Inglaterra e ao descer, no aeroporto, cercado por uma multidão que o aplaudia, fez um discurso saudando a paz entre Alemanha e Inglaterra.
A política expansionista de Hitler já era conhecida por todos. Mas o primeiro-ministro achou que ele iria parar na anexação de parte do território da Tchecoslováquia.
E o que foi que aconteceu depois? Hitler anexou não só uma parte, mas a Tchecoslováquia toda. Depois invadiu a Polônia. E a Dinamarca, Noruega, Luxemburgo, Bélgica e França.
O acordo celebrado pelo primeiro-ministro acabou como o pior ato de apaziguamento de todos os tempos. Ûm emblemático sinônimo de fraqueza. (Estudos mais recentes têm apontado que o acordo permitiu à Inglaterra ganhar tempo para desenvolver mais seu poder bélico. Mas o fato é que isso nunca esteve como objetivo de Chamberlain.)
Em 3 de setembro de 1939 – um ano depois do acordo -, o primeiro-ministro teve que declarar guerra à Alemanha. Com voz abatida, ele disse: “Vocês podem imaginar quão amargo golpe é para mim que toda minha luta para conquistar a paz tenha fracassado”.
Depois, derrotado no Parlamento, Chamberlain renunciou e foi substituído por Winston Churchill – que era exatamente o oposto dele.
Churchill fez famosas várias frases, uma delas – que também é citada nestas decisões do ministro Alexandre de Moraes – é de que “Cada um espera que, se alimentar o crocodilo o suficiente, o crocodilo o coma por último”.
Pois bem, é este episódio que tem norteado a ação do ministro Alexandre de Moraes em relação aos golpistas no Brasil.
Vejam o que ele diz na decisão que determinou a proibição dos acampamentos:
“A Democracia brasileira foi gravemente atacada com a tentativa de golpe do dia 8/01/2023, tendo um dos fatores principais a omissão de diversas autoridades públicas, que permitiram os ilegais acampamentos golpistas em frente aos quartéis do Exército, em uma repetição da ignóbil política de apaziguamento, cujo fracasso foi amplamente demonstrado na tentativa de acordo do então primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain com o nazismo de Adolf Hitler”.
Ignóbil política de apaziguamento, diz ele. Ignóbil significa vil, desprezível. Vejam como essa questão toca fundo na consciência do ministro.
O que Alexandre de Moraes disse agora, na decisão sobre os acampamentos, na última sexta-feira (25/07), é praticamente a mesma coisa que ele afirmou nas decisões de 2024 e de 2023. Ou seja: essa concepção do ministro está presente desde o início do processo contra os golpistas. É sobre esta base que ele age.
A história nos mostra que não é possível falar em política de apaziguamento com quem vive com a baioneta desembainhada, só esperando a melhor oportunidade de lhe aplicar um golpe letal.
PRONUNCIAMENTO DO PRIMEIRO-MINISTRO INGLÊS NEVILLE CHAMBERLAIN, EM 30 DE SETEMBRO DE 1938, AO DESEMBARCAR EM LONDRES VINDO DE MUNIQUE:
(Reprodução Bernardo Arsivenco/Youtube)
“Esta manhã eu tive uma nova conversa com o chanceler alemão Herr Hitler.
E aqui está o papel que contém o nome assim como o meu. Alguns de vocês talvez já tenham ouvido falar sobre o que ele contém, mas eu gostaria de lê-lo pra vocês.
Nós, o fuhrer alemão e chanceler e o primeiro-ministro britânico tivemos outra reunião hoje e concordamos em reconhecer que a questão das relações anglo-alemães é da maior importância para os dois países e para a Europa.
Consideramos o acordo assinado na noite passada, como símbolo do desejo de nossos dois povos de nunca mais voltarem a guerrear entre si.
Estamos decididos a adotar o método da consulta para tratar de quaisquer outras questões que possam concorrer aos nossos dois países e estamos determinados a continuar nossos esforços para eliminar possíveis fontes de divergência. Contribuindo assim para assegurar a paz da Europa.”